Moradores do Haiti durante a passagem do furacão Matthew, em 2016. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins |
MUNDO
A mudança
climática, tantas vezes relegada a um segundo plano em favor de
debates de curto prazo e escasso percurso, é o grande desafio econômico e
social do século XXI. É uma ameaça à existência, como alerta a diretora-geral do Banco
Mundial, Kristalina Georgieva: a subida dos oceanos desencadeada
pelo degelo dos polos, a destruição causada por tempestades e secas vão forçar
comunidades inteiras a se deslocar para regiões onde a sobrevivência seja mais
viável. A situação será particularmente
grave na América Latina, onde até 17 milhões de
pessoas terão de migrar dentro de seu próprio país, sobretudo no México e na América Central, onde até
quatro milhões de cidadãos se verão nessa situação. No mundo todo a cifra
chegará, segundo os cálculos da organização internacional, a 143 milhões de
deslocados internos.
Nos últimos anos, a atenção sobre os vínculos entre aquecimento global e migração se concentrava nos deslocados
transfronteiriços: pessoas que se deslocam de um país para outro fugindo de
fenômenos naturais extremos. Agora, o Banco Mundial põe o foco sobre uma
realidade muito menos estudada: os deslocamentos no interior de um mesmo país. E os números para o chamado mundo
subdesenvolvido e emergente são demolidores. Nas regiões da África
subsaariana, Sul da Ásia e América Latina – que juntas somam mais de metade da
população mundial em vias de desenvolvimento – quase 3% das
famílias correm risco de ter de migrar dentro de seu próprio país até 2050 para
escapar dos efeitos da mudança climática.
Degelo no Pólo Norte (Google) |
O
impacto, não obstante, não será uniforme em todas as regiões e países. A migração interna,
ressaltam os técnicos do Banco Mundial, afetará comunidades residentes em áreas
com escassa disponibilidade de água e baixa produtividade agrícola ou sujeitas à subida do nível do mar ou ao
aumento das tempestades e furacões. “As áreas mais pobres serão as mais
atingidas”, concluem os autores do relatório.
México
e América Central estão entre as regiões mais impactadas. Os 177 milhões de
habitantes de hoje serão mais de 200 milhões em 2050 e, apesar de três quartos
da população viverem em áreas urbanas, suas economias ainda são muito
dependentes da agricultura, um dos setores mais atingidos pelos efeitos da
mudança climática. No cenário mais adverso, os migrantes internos poderiam
chegar a 1% da população, número que chegaria a 2% no caso específico do México.
Os
“migrantes
do clima”, como diz o Banco Mundial, passarão
a representar quase um de cada sete movimentos no país latino-americano em 2050,
de acordo com as projeções. É o dobro do número previsto para 2020. Como no
restante da América Latina e do mundo, a espiral se explica por uma piora do acesso à água e a queda na
produtividade dos cultivos. “Abandonarão
as áreas mais quentes e costeiras, como o golfo do México ou a costa do
Pacífico na Guatemala”, prevê o organismo com sede em Washington, que indica
dois pontos de recepção de migrantes: a meseta central mexicana e o planalto
guatemalteca. Mas não só. “A meseta central pode oferecer condições mais
favoráveis que o árido norte e os estados costeiros do sul de baixa altitude,
que se verão afetados por aumento do nível do mar. Esse padrão se alia as
níveis avançados de urbanização do México, uma relevância decrescente dos meios
de subsistência agrícola e o contínuo despovoamento das áreas rurais”, aponta o
relatório publicado nesta segunda-feira. Segundo seus cálculos, grandes cidades
mexicanas como Guadalajara e Monterrey – a segunda e a terceira cidades mais
populosas do México, respectivamente, depois da capital – também serão ponto de
origem de migrantes climáticos.
A
parte positiva para o México no drama dos deslocados internos pela mudança
climática, se é que há, é sua maior capacidade econômica – é um dos países de
maior renda per capita da América Latina – para adaptar-se. Os especialistas
insistem, no entanto, que é um processo que deve ser administrado desde já e
pedem que sejam adotados planos que permitam preparar ao mesmo tempo as áreas
vulneráveis e as áreas que vão receber migrantes. Também aconselham que se
facilite a migração com medidas de formação e proteção social. Algo a que, por
enquanto, a segunda maior economia latino-americana quase não tem dado atenção.
Na
atual tendência de altas emissões, ressalta o Banco Mundial, o aumento da
migração climática no México e na América Central pode ser “dramático” no final
do século. “Mas isso não deve chegar a ser uma crise”, disse John Roome, diretor de mudança climática do Banco
Mundial. A forma de evitar o pior dos cenários passa, obrigatoriamente, por
algo já sabido e não tão aplicado em escala global: uma ação global potente
para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. O tempo está se esgotando,
mas se o movimento for rápido e a ação seguir o caminho adequado, o número de
migrantes internos poderia ser reduzido em até 100 milhões de pessoas sobre as
atuais previsões globais.
Os
técnicos da instituição especializada insistem que preparar-se para esse
desafio de longo prazo também é uma forma de enfrentar um problema crescente e
que é decisivo para o desenvolvimento. “Se soubermos qual é o impacto [da
mudança climática]”, enfatiza Roome, “poderão ser adotadas medidas mais
inclusivas, não só em escala nacional, mas também em escala local. É algo que
deve ser levado muito a sério para sustentar os avanços obtidos”, conclui.
Fonte: El Pais Online
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