"Estou saturado da hipocrisia da Justiça Penal brasileira..." diz o magistrado
Considerado um dos maiores algozes do
crime organizado no País por ter condenado a mais de mil anos de prisão
dezenas de narcotraficantes e confiscado centenas de milhões em bens das
quadrilhas, o juiz federal Odilon de Oliveira, com 68 anos de idade e
mais de 30 de Judiciário, tem medo de se aposentar. A Justiça não
garante escolta para o magistrado fora da ativa e ele já foi jurado de
morte pelos chefões do tráfico que mandou para a cadeia. “Sou refém da
toga. Se saio na rua aposentado e sem escolta, fico tão vulnerável que
sou morto a porrete”, afirmou.
Oliveira, que nasceu em Exu (PE) e
começou a trabalhar muito cedo, já pediu a contagem do tempo de serviço
para requerer a aposentadoria. “Eu poderia ficar até os 75 anos, mas
estou saturado da hipocrisia da Justiça Penal brasileira e queria parar.
O que está pegando é a segurança.”
Segundo ele, embora não haja uma norma
clara a respeito, já houve provimentos dando ao juiz ameaçado direito a
segurança após a aposentadoria.
O magistrado disse ter consultado o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão regulador e de apoio ao
Judiciário, mas ainda não teve resposta. “Em janeiro de 2014, pedi ao
CNJ para que encaminhasse consulta ao ministro da Justiça, indagando se,
após a aposentadoria, em virtude do risco à minha segurança criado pela
atividade jurisdicional, eu poderia ter alguma proteção. Até hoje o CNJ
não decidiu nada.” Procurado, o conselho afirmou que o processo tramita
em segredo.
Oliveira ficou conhecido não somente pela
mão pesada na aplicação de penas contra os narcotraficantes. Após
aplicar a sentença, o magistrado se valeu de instrumentos legais para
expropriar fazendas, mansões, aeronaves, lanchas e carros de luxo
adquiridos com o dinheiro do tráfico. Desde 2005, quando assumiu a Vara
Criminal de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, na linha da fronteira com
o Paraguai, ele promoveu o confisco de 85 fazendas, 370 sítios, casas e
apartamentos, 18 aviões e 14 mil veículos – cerca de R$ 2 bilhões em
valores atuais.
Jurado de morte, em 2011 teve o hotel
invadido por homens armados quando não estava no apartamento e se
abrigou no quartel do Exército. Com a chegada da escolta feita por dez
agentes da Polícia Federal, passou a morar no Fórum. Na ocasião, o
Estado o encontrou à noite, dormindo em um colchonete, na sala de
audiências. Até então, ele tinha condenado 114 traficantes a penas,
somadas, de 920 anos. A Vara de Ponta Porã era a que mais condenava
traficantes no País.
CV e PCC. Em julho
daquele ano, o jornal paraguaio La Nación publicou a informação de que
traficantes brasileiros que agiam no Paraguai se dispunham a pagar US$
300 mil pela cabeça do juiz. Além da escolta, ele recebeu um carro com
blindagem para tiros de fuzil AR-15.
“Dos meus 30 anos de carreira no
Judiciário, 18 foram sob escolta. Na época, os filhos ainda moravam
comigo e isso causava enorme constrangimento para a família. Eu não me
arrependo, só que não posso ficar eternamente em serviço. De lá para cá,
continuei condenando muitos criminosos, mas o tráfico continua e está
cada vez mais armado.”
Mesmo depois que foi retirado da
fronteira contra sua vontade e passou a atuar na 3.ª Vara Federal de
Campo Grande, supostamente mais segura, Oliveira teve de continuar com
escolta 24 horas por dia. Ele tem uma lista com mais de 60 nomes de
criminosos que teriam motivos para matá-lo. Um deles é Luiz Fernando da
Costa, o Fernandinho Beira-Mar, líder do Comando Vermelho (CV), mandado
várias vezes para o castigo do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD),
quando ele era juiz corregedor da penitenciária federal de Campo Grande,
entre 2006 e 2009.
Quando interrogava o megatraficante
colombiano Juan Carlos Abadia, o juiz descobriu um plano de Beira-Mar
para sequestrar um dos filhos do então presidente Lula. O traficante foi
sentenciado em um processo de lavagem de dinheiro de R$ 11 milhões. O
magistrado também condenou o traficante José Severino da Silva, o
Cabecinha, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo ele, o PCC dominou a fronteira, o
que aumenta o risco para sua segurança. Oliveira lembrou que a facção
está por trás do atentado que matou o megatraficante Jorge Rafaat
Toumani, em junho de 2016.
“Com isso, o PCC tomou conta da
fronteira. Seus membros estão radicados no Paraguai e transformaram a
região em campo de batalha. O Brasil não cuida da fronteira, então de
pouco adianta combater o tráfico aqui dentro. Isso vai aborrecendo a
gente.”
Oliveira disse que, se for decidido que
não terá direito à escolta, vai embora do Brasil. “Mesmo que construísse
um bunker (fortaleza) não estaria a salvo. Vou para fora, para outro
lugar que não seja a América do Sul. Passei a vida toda confiscando os
bens desses vagabundos e recolhendo o dinheiro para a União. Não acho
que mereça ser descartado como um preservativo usado.”
FONTE: (Jornal O Estado de São
Paulo)
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