"A sociedade não deve criminalizar a democracia nem a atividade política, mas aperfeiçoá-las". (Foto: Antonio Milena - Reprodução revista Veja) |
"O crime não pode compensar" diz Marcos Vinícius em entrevista à revista Veja
Por Otávio Cabral e Laura Diniz
Em 25 de junho, o presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil. Marcus Vinícius Coêlho, reuniu-se com a
presidente Dilma Rousseff. Na véspera, ela havia anunciado a convocação
de um plebiscito para autorizar a instalação de uma Constituinte para
fazer a reforma política. Assim que entrou no Palácio do Planalto,
Coêlho alertou: ”Presidente, essa Constituinte é inconstitucional”. Ele
conseguiu convencê-la de que a iniciativa poderia sair do controle e
legislar sobre temas como o controle da imprensa e do Ministério
Público, por exemplo. Dilma desistiu da proposta. O maranhense Coêlho, o
segundo presidente mais novo da história da OAB, agora trabalha pela
aprovação de uma lei pelos caminhos normais do Congresso que puna com
rigor o caixa dois eleitoral.
A OAB lançou uma campanha de coleta de assinaturas para um projeto de reforma política. Como é essa proposta?
As manifestações da população nas ruas
mostraram que há uma crise muito profunda no modelo de
representatividade. A origem desse mal está no sistema eleitoral, que
estimula o caixa dois, que faz com que o candidato, salvo honrosas
exceções, tenha uma relação imprópria com empresas. Isso gera um
parlamentar eleito com vícios de origem, o que distorce a representação
política. Na maioria das vezes, ele presta contas ao financiador, e não
ao eleitor. A Lei da Ficha Limpa cuidou das conseqüências do sistema
eleitoral. Agora é necessária uma lei que combata as causas desses
males.
Mas quais são as medidas práticas para resolver o problema?
O financiamento de campanha por empresas
deve ser proibido. Apenas as pessoas físicas poderão fazer doações a
candidatos, com um limite máximo de 700 reais, para evitar que o
desnível econômico influencie o resultado da eleição. Além disso, o
valor de gastos com a campanha será fixado pelo Tribunal Superior
Eleitoral. Hoje, cada partido fixa o valor de gasto máximo dos seus
candidatos. Com a fixação pelo tribunal, as campanhas ficarão mais
baratas. É preciso ainda tornar crime a prática de caixa dois eleitoral.
Nosso projeto prevê até oito anos de prisão para quem fizer caixa dois,
a cassação imediata de quem receber dinheiro por fora e a proibição de
contratação pelo serviço público de empresas que praticaram esse crime. O
sistema legal deve passar sempre a mensagem clara de que não compensa
praticar o crime.
Como fiscalizar isso?
O principal meio é a prestação de contas
on-line. Diariamente, as receitas e despesas serão colocadas no site do
TSE. E é preciso contar com o papel fiscalizador da sociedade. Essa
revolta é uma mostra de que o cidadão quer participar. No ano em que a
Constituição faz 25 anos, é preciso reafirmar a democracia. A sociedade
não deve criminalizar a democracia nem a atividade política, mas
reafirmá-las e aperfeiçoá-las constantemente.
Como fica a eleição para o Legislativo nesse projeto?
Para baratear as eleições e aumentar a
fidelidade partidária, a Ordem propõe um sistema de votação em dois
turnos para o Legislativo. No primeiro turno, o eleitor votaria na lista
partidária, em cima de projetos e idéias. Isso evitaria o efeito
Tiririca, de votar em um e eleger outros cinco que ele nem conhecia. A
lista deixará de ser oculta, como é agora, e será transparente. O
controle ético disso é que um candidato sem conceito é eleito hoje
porque tem o eleitorado cativo e não contamina a lista de seu partido.
Se esse candidato vai para uma lista partidária aberta, o eleitor vai
evitá-lo, prejudicando o partido. A lógica é que os partidos deixem de
lado candidatos desonestos. O grande pecado da lista fechada pura é que o
eleitor não escolhe quem quer eleger, mas só chancela decisões
partidárias. Por isso propomos o segundo turno, no qual o eleitor votará
nominalmente. No primeiro turno, definem-se quantas vagas cada partido
terá. E, no segundo, quais serão os nomes eleitos. Não é a primeira
proposta de nenhum partido, mas pode se tornar o consenso de todos eles.
As manifestações de junho
mostraram o descontentamento do cidadão com o serviço público. O que
fazer para tornar o governo mais eficiente?
Os cartazes dos manifestantes traduziram
as reivindicações: mais saúde, mais educação, melhores serviços e menos
corrupção. A OAB entrou na Justiça para que o Congresso legisle sobre a
criação de um código de defesa dos usuários de serviços públicos, que
está prevista há quinze anos. Hoje um cidadão vai ao hospital, não é
atendido e não tem a quem reclamar. O único prejuízo que há para o
governante é o político. Com o código, o Procon passará a receber
queixas contra os serviços públicos. E o governante que não oferecer um
bom serviço nem respeitar o cidadão deverá ser punido.
O último exame da OAB teve 72% dos candidatos reprovados. Isso não é a falência do ensino de direito no Brasil?
Em vinte anos, o Brasil saiu de cerca de
200 faculdades de direito para 1300. A qualidade, por óbvio, não
acompanhou a quantidade. A grade curricular dos cursos é ultrapassada,
não se fala sobre mediação e arbitragem, sobre o processo judicial
eletrônico. Tudo isso é o futuro do direito. Mas nas faculdades só se
fala do passado. Não é possível continuar com um curso de direito que só
estimula a litigiosidade. O ensino ainda é feito por professores que se
baseiam em doutrina, não há estudos de casos. É preciso estudar os
casos e ter um aprendizado prático; por isso o estágio deve ser ampliado
de seis meses para um ano e ser efetivamente prestado. Hoje, é uma
farsa. Para melhorar todo esse quadro, é necessário remunerar melhor os
professores. Estamos vivendo uma rodaviva em que a faculdade finge que
paga o professor, o professor finge que dá aula e o aluno finge que
aprende.
O mercado está saturado. O que fazer com tanto advogado?
No último exame da Ordem foram aprovadas
32 900 pessoas. O índice de reprovação ainda é alto, mas temos 60000
aprovados a cada ano. Esse é o número total de advogados existentes hoje
na França. Já temos 800000 advogados no Brasil, e ainda entra no
mercado de trabalho uma França por ano. É preciso coibir a abertura de
cursos e fechar aqueles que não têm qualidade.
Casos de grande repercussão,
como o julgamento do mensalão e as operações da Polícia Federal, mostram
advogados recebendo milhões de reais. A profissão é bem remunerada?
Há uma pequena ilha de grandes
escritórios e advogados famosos que passa a falsa impressão de uma
profissão glamourosa. Mas a realidade é dura. Há advogados ganhando 20
reais para fazer uma audiência. A grande maioria dos meus colegas busca a
sobrevivência. Essa massificação e proletarização da carreira precisam
ser enfrentadas.
Como dar celeridade à Justiça?
Em primeiro lugar, é preciso uma mudança
cultural, encerrando a era do litígio e fazendo aposta na conciliação,
mediação e arbitragem. O advogado precisa entender que o processo moroso
não faz bem a ninguém. Não faz bem à sociedade porque justiça tardia é
injustiça. Não faz bem ao Judiciário porque perde credibilidade. Não faz
bem ao advogado, que se desvaloriza e demora a receber. O juiz e o
promotor também não podem encarar as modernizações do sistema judiciário
com a mesma cabeça cartorial predominante no século XIX. Temos de
atualizar o modo de pensar das pessoas. Pouco adiantam mudanças
legislativas se os intérpretes da lei não se adequarem. É preciso que o
sistema tenha menos burocracia e formalismos e mais celeridade. Por fim,
é preciso uma mudança estrutural. Temos na presidência dos tribunais
gestões que não se comunicam com as anteriores nem com as seguintes. Não
há no Judiciário transparência dos gastos, planejamento, administração
dos processos de acordo com temas. Uma simples organização traria
grandes ganhos sem tirar dos cidadãos o direito a recursos.
A OAB reclamou da declaração de
Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, de que os
advogados acordam tarde. Depois, pediu explicações sobre a compra de um
apartamento por ele em Miami e recorreu do veto dele à criação de quatro
tribunais federais. Os advogados o consideram um adversário?
A OAB aprovou uma dura nota pedindo mais
respeito do presidente do STF. Essa declaração sobre os advogados
mostrou um total desconhecimento da profissão. A Ordem deve sempre ter
atuação dura quando se sentir incomodada. Mas deve ter a atitude madura
de não transformar casos episódicos em uma generalização que diminua a
importância do STF. Considero uma perda de energia muito grande as
instituições ficarem discutindo declarações impensadas e fora da
realidade. A Ordem faz um apelo a todos os presidentes de poderes para
que cuidem do que interessa. O que o presidente do STF está fazendo
concretamente para planejar e dar transparência ao Judiciário?
Como o senhor responderia a essa sua própria indagação?
Essa pergunta deve ser feita ao
presidente do STF. Qual o legado para o Judiciário brasileiro que ele
está deixando? Ele é quem deve responder a essa pergunta.
O senhor defende a redução da maioridade penal?
A Constituição fixa a maioridade penal
em 18 anos. Para nós da Ordem, isso é uma cláusula pétrea, que não pode
ser modificada. Além disso, há dados que mostram que essa medida seria
inócua. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça mostra que 47%
dos internos em centros de reabilitação têm de 16 a 17 anos e 42%, de 14
a 15 anos. Os crimes que eles cometem são praticamente do mesmo tipo.
Portanto, apenas baixar a idade penal para 16 anos não resolverá
completamente o problema.
Como, então, inibir a participação de menores nos crimes?
Melhorando as condições de vida dos
adolescentes, principalmente os mais pobres. Se eles não têm escola, não
têm educação profissionalizante, não têm esporte, não são acolhidos
pelo estado, podem ser atraídos para o tráfico. O segundo ponto é ter um
sistema de internação que ressocialize. Esse mesmo estudo do CNJ mostra
que 70% dos internos foram vítimas de violência 40% foram violentados
sexualmente. E quase a metade reincide e em crimes mais graves. Há um
sistema hoje que produz infratores mais agressivos. O terceiro ponto é o
sistema legal, que deve passar uma mensagem que desencoraje a prática
de crimes. Os crimes com armas de fogo e a reincidência devem ter
punições mais sérias. O Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser
repensado para que a punição máxima prevista suba de três para seis anos
e para que o infrator não saia em liberdade aos 21 anos, mas somente
depois de cumprir integralmente a medida judicial.
Muitos crimes bárbaros são
cometidos por presos “indultados” que não voltam à cadeia. O senhor acha
que esse tipo de saída temporária deve acabar?
A Justiça concentra as saídas nas datas
festivas, o que faz com que um grande número de presos seja liberado ao
mesmo tempo. A idéia seria não concentrar as saídas em datas especiais,
mas espalhá-las ao longo do ano em grupos menores. Também deve ser
implantada a tornozeleira eletrônica para monitorar os presos liberados
temporariamente. Por fim, defendo a redução das saídas nas prisões em
que muitos presos não voltem.
As comissões de direitos humanos
da OAB se notabilizaram pela defesa dos direitos dos bandidos, nada
fazendo pelas vítimas e suas famílias. Não é um equívoco?
Sem dúvida. A OAB não pode ser
comentarista de casos, mas defensora de causas. O Brasil é signatário de
um pacto pela proteção dos direitos das vítimas de crimes, mas não
cumpre com seu papel. O estado precisa dar assistência social,
psicológica e econômica às vítimas. Ou o estado garante segurança
pública aos brasileiros ou ao menos deve fornecer assistência às vítimas
dos crimes.
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