A
vaquejada foi considerada patrimônio cultural imaterial pela Lei
13.364/16. No entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou a prática
inconstitucional porque submeteria os animais a crueldade
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em
primeiro turno, nesta quarta-feira (10), a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 304/17, do Senado, que não considera cruéis as práticas desportivas que
utilizem animais, como a vaquejada, se forem registradas como manifestações
culturais e bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural
brasileiro. A PEC foi aprovada por 366 votos a 50 e
precisa passar por um segundo turno de votação na Câmara.
Recentemente, em outubro do ano passado, o Supremo
Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a prática porque submeteria os
animais a crueldade. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), acatada por
seis votos a cinco, foi proposta pelo procurador-geral da República contra a
Lei 15.299/13, do estado do Ceará, que regulamenta a vaquejada como prática
desportiva e cultural no estado.
Para o relator da ação, ministro Marco Aurélio, a
prática teria “crueldade intrínseca” e o dever de proteção ao meio ambiente
previsto na Constituição Federal se sobrepõe aos valores culturais da atividade
desportiva.
Já para o relator da PEC na comissão especial,
deputado Paulo Azi (DEM-BA), se a vaquejada fosse banida, além da cultura de um
povo, teria prejuízo injustificável para toda uma cadeia produtiva, condenando
cidades e microrregiões ao vazio da noite para o dia.
“A Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq)
relata que a atividade movimenta R$ 600 milhões por ano, gera 120 mil empregos diretos
e 600 mil empregos indiretos. Cada prova de vaquejada mobiliza cerca de 270
profissionais, incluídos veterinários, juízes, inspetores, locutores,
organizadores, seguranças, pessoal de apoio ao gado e de limpeza de
instalações”, explicou Paulo Azi.
Região Nordeste
A proposta que acaba com os entraves
jurídicos para a realização das vaquejadas no Brasil foi aprovada
sobretudo com votos de deputados do Nordeste e do Norte do País. A
vaquejada é a atividade na qual dois vaqueiros montados a cavalo têm de
derrubar um boi, puxando-o pelo rabo.
O relator da proposta, deputado Paulo
Azi, argumentou contra a ideia de que a vaquejada representa maus-tratos
contra os animais. “Ouvimos especialistas, veterinários que nos
trouxeram dados científicos. Existem provas científicas de que essas
atividades em nenhum momento provocam maus-tratos”, relatou Azi.
Contrário à PEC, o líder da Rede,
deputado Alessandro Molon (RJ), tentou retirar a proposta da pauta. “O
STF entendeu que deve prevalecer o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, porque trata-se de um direito que cuida de
algo que diz respeito ao indivíduo, à sociedade e às futuras gerações e,
por essa razão, declarou inconstitucional a vaquejada pelo sofrimento
que provoca nos animais”, declarou Molon.
O líder da Rede questionou ainda o
argumento de que a PEC preserva a cultura nordestina. “Há uma série de
práticas culturais que, ao longo do tempo, a sociedade foi entendendo
como ultrapassadas”, disse Molon, citando o exemplo da farra do boi em
Santa Catarina e das rinhas ou brigas de galo.
No entanto, a grande maioria dos
deputados usou a tribuna para defender o texto. Para o deputado Danilo
Forte (PSB-CE), a PEC salva o que ainda resta da cultura nordestina.
“Essa PEC é para resguardar a história do País, a bravura do vaqueiro e
do homem nordestino. E também para reavivar uma força econômica muito
importante para o povo brasileiro”, disse.
Em uma intervenção mais emocionada, o
deputado João Marcelo Souza (PMDB-MA) chamou de hipócritas os deputados
que insistem na tese de maus-tratos. “São deputados do Sul, do Sudeste,
que nada entendem de vaquejada. Isso se chama hipocrisia. Vocês não
conhecem a cultura do Nordeste. Nunca se quis fazer mal a animal
nenhum”, declarou.
Em resposta, o deputado Ricardo Izar
(PP-SP) disse que uma “manifestação tão agressiva assim só poderia se
esperar de alguém que defende os maus-tratos contra animais”. Para Izar,
a PEC não se sobrepõe à decisão do Supremo que, segundo ele, “se baseou
em direitos fundamentais, que são cláusulas pétreas e, portanto, não
podem ser mudadas por PEC”.
Izar ainda rebateu o argumento de perda
de emprego e de renda. “Quando houve a abolição da escravatura, os
mercadores de negros eram contrários porque não iam mais ter renda. Mas a
economia se transformou. O mesmo vai acontecer com a vaquejada, que vai
deixar de existir na forma de tortura, mas vai continuar na forma de
show do bonde do forró, de bancas de comida”, afirmou.
Empregos
Favorável à vaquejada, o deputado
Alberto Filho (PMDB-MA) destacou que só é contra quem desconhece a
atividade. O deputado Domingos Neto (PSD-CE) disse que o objetivo da PEC
é aprovar a regulamentação de uma nova vaquejada, com novas regras.
“Uma vaquejada com rabo artificial, com proteção para o cavalo, com uma
nova cama de areia, garantindo proteção ao animal”, disse.
Já o líder do PDT, deputado Weverton
Rocha (MA), convidou quem não conhece a vaquejada para ir ao Nordeste.
“A prática da vaquejada e os circuitos geram emprego, renda e trazem
entretenimento a essas regiões. Muitas práticas que representavam
maus-tratos já não existem mais”, afirmou.
Presidente da Frente Parlamentar dos
Rodeios, Vaquejadas e das Provas Equestres, o deputado Capitão Augusto
(PR-SP) também destacou a importância econômica e disse que as três
modalidades juntas empregam atualmente 1,6 milhão de pessoas no País.
Já o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI)
lembrou que, no litoral, o assalariado vai à praia, mas no sertão o
sertanejo vai à vaquejada. “Não trabalhemos contra o desemprego. É
preciso que se veja quantas pessoas dependem desse espetáculo que o
Brasil admira”, disse.
Por fim, contrário à PEC, o deputado
Ricardo Tripoli (PSDB-SP) questionou a tese de mudar a Constituição para
reverter a decisão do STF. “Imagine quando tivermos uma condenação que
dependa de um artigo da Constituição e aqui nós modificarmos o artigo
favorecendo aqueles que foram condenados. Deixo para a consideração dos
senhores”, disse.